Metodologia Kanban: Ser ou não ser (ágil), eis a questão.

EXIN logo over a person working on a Kanban board (blurred background).

A frase “Ser ou não ser, eis a questão” é uma das mais famosas da literatura mundial, sendo oriunda da peça A tragédia de Hamlet, geralmente abreviada apenas como Hamlet e escrita por William Shakespeare entre 1599 e 1601. Interessante observar como uma brilhante obra com inúmeros outros aspectos, acaba sendo lembrada por uma única fala de um de seus personagens. Algo semelhante vem acontecendo com a Metodologia Kanban desde 2015, envolvendo discussões sobre a questão da mesma ser ou não considerada como ágil.

Fato é que não há um consenso sobre essa questão nem entre os renomados autores da área e nem entre os próprios membros da comunidade. Na tentativa de convencer aqueles que possuem opiniões contrárias às suas, diversos autores e membros da comunidade tem gerado artigos, palestras, lives, postagens, dentre outros conteúdos. Em suma, um volume significativo de esforço que poderia estar sendo empregado em outras ações, como por exemplo para a criação de novas metodologias ou evolução das existentes. A questão se torna ainda mais complexa quando a discussão retrocede um passo atrás para alinhamento sobre a definição de termos relacionados, mas sem o mesmo significado como Agile/agile em inglês, em que a mesma palavra tem sentido diferente se escrita com inicial maiúscula ou minúscula, ou Agilidade e Metodologias Ágeis em português.

Em um cenário de intensa indefinição, a máxima “contra fatos não há argumentos” é uma forma de focar nas concordâncias ao invés de nas divergências. Neste sentido, o Manifesto Ágil é uma boa referência, pois é um documento plenamente aceito e respeitado pela comunidade. Criado entre 11 e 13 de fevereiro de 2021, nele um de seus 17 signatários descreve que estes passaram a autodenominar seus respectivos processos de desenvolvimento de software como Metodologias Ágeis (Agile Methodologies). Ken Schwaber e Jeff Sutherland são outros 2 signatários, que de acordo com o Scrum Guide, outra referência plenamente aceita e respeitada pela comunidade, foram os criadores do Scrum. Com base no exposto, a definição de que o Scrum é uma Metodologia Ágil está totalmente pacificada.

De acordo com as definições do Scrum Guide, Scrum é um framework leve que ajuda pessoas, times e organizações a gerar valor por meio de soluções adaptativas para problemas complexos; é propositalmente incompleto, apenas definindo as partes necessárias para implementar a teoria Scrum; permite que vários processos, técnicas e métodos sejam empregados com o framework. E amparadas por estas definições, grande parte das empresas agregam ao Scrum outras práticas, sejam ágeis ou não, como Planning Poker ou o Kanban Board (Quadro Kanban) com suas colunas A Fazer, Fazendo e Feito.

Kanban (com K maiúsculo), kanban (com k minúsculo), Quadro Kanban e Metodologia Kanban

A característica de uma simples alteração da primeira letra da palavra alterar completamente seu significado não é uma exclusividade do termo Agile/agile, pois o termo Kanban/kanban também possui tem essa particularidade. Os termos Kanban/kanban são utilizados na produção industrial (principalmente automotiva).

O termo Kanban (com K maiúsculo) é utilizado para denominar uma ferramenta de gerenciamento de materiais, que além de controlar o estoque, gerencia também toda a produção de uma planta industrial. Foi desenvolvido por Taiichi Ohno em 1953 na Toyota, baseado em um dispositivo de sinalização por meio de cartões que autoriza e instrui a produção ou a retirada de itens em um sistema puxado. Suas principais funções dentro de um processo são as de manter o estoque a um número mínimo e permitir um controle visual para a execução das atividades com precisão. Alguns hospitais também utilizam Kanban no controle de estoque de medicamentos.

Figura 1. Ferramenta Kanban

Já o termo kanban (com k minúsculo) é o cartão utilizado na ferramenta Kanban (com K maiúsculo). Um kanban de Requisição especifica o tipo e a quantidade do produto que o processo subsequente deverá retirar do processo precedente, enquanto o kanban de Ordem de Produção especifica o tipo e a quantidade do produto que o processo precedente terá de produzir.

O termo Quadro Kanban pode ser utilizado para se referir ao local onde os cartões kanban da ferramenta Kanban são armazenados. Mas também se referem ao tradicional quadro A Fazer, Fazendo e Feito, utilizado para diversas finalidades como organização dos itens do backlog da sprint de uma iteração Scrum, organização pessoal/profissional de tarefas, dentre outros. Antes da informatização dos escritórios e popularização do quadro kanban, as secretárias utilizavam uma caixa para correspondência de mesa para essa organização de documentos. Na bandeja de cima, denominada Entrada, eram depositados os documentos a serem processados pela mesma (notas de despesa de acertos de viagens, documentos de outras gerencias, dentre outros), o que seria o análogo à coluna A Fazer do quadro kanban. O documento que estivesse nas mãos da secretária sendo por ela trabalhado no momento, seria o análogo à coluna Fazendo do Quadro kanban. Na bandeja de baixo, denominada Saída, eram depositados os documentos já processados pela secretária, o que seria o análogo à coluna Feito do quadro kanban.

Por fim, Metodologia Kanban, escopo da certificação EXIN Kanban Foundation, foi elaborada em 2004 por David J. Anderson e desde então é constantemente aprimorado em busca da melhoria contínua. Possui foco em gestão de fluxo de entregas, por meio do acompanhamento de métricas, podendo ser utilizada em qualquer área.

Metodologia Kanban

Se por um lado não há nenhum consenso sobre a questão de a Metodologia Kanban possuir ou não o direito de ser considerada como uma Metodologia Ágil, por outro é inquestionável sua simbiose com outras Metodologias Ágeis como o Scrum, que quando combinadas trazem uma melhoria no fluxo de entregas. Combinação esta inclusive autorizada pelo Scrum Guide, ao permitir que vários processos, técnicas e métodos sejam empregados com o framework Scrum.

Importante ressaltar que o Scrum e a Metodologia Kanban possuem propósitos totalmente diferentes, embora mesmo o primeiro sendo prescritivo eles não são antagônicos, mas complementares. Qualquer esforço para comparar os dois buscando semelhanças não faz nenhum sentido, pois seria como comparar banana com maçã, frutas totalmente diferentes, mas que podem perfeitamente ser batidas juntas no liquidificador para fazer uma vitamina. Diferentes publicações relacionadas à utilização conjunta de Scrum e Kanban estão disponíveis, inclusive uma metodologia denominada Scrumban.

O início da criação da Metodologia Kanban se deu a partir de estudos por David J. Anderson sobre a teoria das restrições de Eliyahu M. Goldratt, resultando em algo que vai muito mais além do que a simples utilização de cartões visuais e Quadro Kanban, objetivando gerenciar o trabalho, ao invés das pessoas que o realizam. Ela possui práticas especialmente criadas e adaptadas para trabalhadores do conhecimento, como desenvolvedores de software, profissionais de marketing, dentre outros, com foco em serviço, que conforma definição da wikipedia é um produto da atividade humana que satisfaz a uma necessidade, sem assumir a forma de um bem material.

Taiichi Ohno afirmou em seu livro Toyota Production System: Beyond large-scale production de 1978.

“Tudo o que estamos fazendo é observar a linha do tempo, desde o momento em que o cliente nos dá um pedido até o momento em que recebemos o dinheiro. E estamos reduzindo esse cronograma removendo os desperdícios sem valor agregado.”

Essa referida linha do tempo é inclusive uma das métricas da Metodologia Kanban, denominada Leadtime, que inclusive se preocupa com que seja reduzida por meio de otimização de fluxo com eliminação de desperdícios.

Conclusão

Ao analisar qualquer metodologia, a principal questão a ser respondida se relaciona à sua efetividade e não à sua nomenclatura. Sir Isaac Newton afirmou que se ele pôde ver mais longe, foi por estar sobre ombros de gigantes. Isso de certa forma explica o segredo do sucesso da Metodologia Kanban, que se alicerça em diversas outras metodologias que comprovadamente vem obtendo sucesso em suas mais diversas áreas de aplicação, bem como à sua capacidade de simbiose com outras metodologias, sejam elas ágeis ou não.

Alysson Ribeiro
Artigo gentilmente cedido por Alysson Ribeiro, Consultor, gestor, professor, instrutor e palestrante. Exercendo atualmente a função de PMO como terceirizado em órgão público. Detentor de 22 certificações internacionais sendo 13 delas obtidas pelo EXIN.  Instrutor oficial da Unicit para os módulos CAPM, Prince2, Agile SHIFT e vários módulos EXIN: ASM, DevOps Professional, ISFS, PDPE, PDPF e PDPP, Blockchain, Lean Six Sigma e Kanban (Lançamento!!!).

Aproveite e visite nossa página EXIN KANBAN (tem campanha no ar!) e faça o download da ementa e simulado!